Impressionante é o barulho ensurdecedor do silêncio na cidade, do meu quintal, na minha rede, deitado a namorar em livros algo que esteja fora, até o momento, do meu alcance, não me dou pela paz, de pássaros a voar, nem digo os pombos que estão para todos os lados, digo mesmo sobre o chacoalhar das folhas das árvores, o vento que bate na encosta de um rio, o barulho de paz de um por do sol a brilhar, quase que já sem brilho, a se deitar. Mas na cidade o barulho é dos estalares de pratos e panelas, o ruído branco que vem das máquinas modernas. Ouço passos e movimentos, pessoas em modo automático. Um avião passa a cada 20 minutos, uma lava louças grita imensamente a necessidade de colocarmos em pratos limpos todo o fervor das coisas que acontecem enquanto comemos. A sirene do bombeiros ao fundo me lembra o badalar dos sinos de uma igreja. Ouço bateres de janelas e portas. Pessoas correndo sem saber para onde vão.
Do livro que namorava, apenas alguns poucos parágrafos consegui ler no dia de hoje, minha rede tem qualquer coisa de mais confortável do que as palavras, hoje é domingo. O tal dia do descanso, mesmo que não haja descanso. Todo dia é como se um novo dia fosse, assim como toda noite em uma cidade mesmo pequena como Lisboa, também parece não dormir. A noite é coisa de fechar os ouvidos, envergar o vazio. Na minha rede já o livro não faz mais sentido não há luz do sol para que possa ler, a noite cai, vou me deitar sobre a cama e tentar ler o que as estrelas tem a me dizer.
Na minha cama o barulho se desfaz, em companhia quente me envolvo à minha amada, aquecemo-nos um ao outro, o barulho do silêncio da cidade já não nos importa mais, podemos ficar tranquilos em qualquer lugar que estivermos. Pobre dos outros, que nos ouvem ao dormir.
Ike Ferreira